quinta-feira, 16 de abril de 2020

O FUTURO NO VIRAR DA PÁGINA

 





– Até que enfim que as aulas acabaram – disse o Vasco.

– E amanhã vão sair as notas e se a minha mãe vê, fico sem prendas de Natal! – exclamou o Rui – Quem me dera viver num mundo em que não houvessem notas! 

– A minha Diretora de Turma disse que vou ter negativa a Formação Cívica – disse o Vasco.

– Podemos fazer amanhã às nove da manhã o trabalho de Ciências sobre a poluição da praia de Gramido? Quem está interessado? – propôs o Afonso.

– Nós. - responderam o Vasco e o Rui em coro.

No dia seguinte, reuniram-se na praia de Gramido. O rio ainda parecia dormir, as águas calmas ainda refletiam algumas luzes amareladas. Uma ou outra folha navegava na corrente e só isso mostrava que o rio tinha movimento. Um barco enorme de turismo subiu o rio, deixando uma estrada de ondulação na água.

– Lá vai ele a largar gasóleo, rio acima. – exclamou o Afonso.

Olharam à volta: Junto a um salgueiro-chorão, leram: “Banhos desaconselhados.”


A praia está cheia de lixo como: sacas, latas, garrafas, papéis e muitas outras coisas – afirmou o Afonso.







Quando se estavam a sentar debaixo do chorão, para se abrigarem do vento e anotar tudo o que tinham visto, a areia cedeu e caíram num túnel que os levou sem saberem para onde.

 Olharam à volta e viram a praia que antes estava suja, agora limpa.

– O que é que nos aconteceu? – perguntou o Rui.

– Não sei! – exclamou o Vasco perplexo.

Quando repararam melhor na paisagem, ficaram pasmados com o que viram.

– Esta é a praia de Gramido, mas está limpa! – exclamou o Afonso.

– Está ali uma esplanada, não conheço aquela! Quando é que a construíram? – perguntou o Rui

– Olha aquela placa que diz: “Praia vigiada “- indicou o Afonso

– A rua é mais estreita, acho que vejo uma pista de ciclistas e muitas pessoas a andar a pé – observou o Rui.

– Olhem, além, mais à frente, estão muitos pescadores a tentar pescar um peixe dourado! –  Exclamou o Vasco.

– O que é aquilo? Vamos explorar? –  Convidou o Afonso.

– Vamos! – responderam todos em coro.

Então resolveram dar uma volta. Subindo por uma ladeira, dirigiram-se para nascente. Viram, então, um edifício de dois pisos, de linhas direitas, muito simples, cheio de verduras e várias espécies arbóreas. Na parte superior da casa havia vários grandes painéis inclinados.

 – Aquelas árvores não são amoreiras? – perguntou o Afonso, sem obter resposta.

No entanto, teve logo a certeza quando viu uma menina aproximar-se com uma caixa, com uns bichinhos dentro e introduzir lá duas folhas da árvore.

– Está a dar comida ao grilo! – observou o Vasco

– Não me parece, deve ser um bicho da seda – retificou o Afonso, que acrescentou – é muito estranho, nunca vi tal coisa por aqui, mas o meu pai falou-me que havia muitas amoreiras, junto ao rio, quando ele era criança.

Ao lado das amoreiras estavam plantados amieiros e choupos. Mais à frente viram uma buganvília com flores rosa, junto de um jacarandá, que começava a abrir umas florzinhas azuis. Mais à frente, duas araucárias.

– Aquelas árvores são araucárias, tenho a certeza e são raras, logo duas aqui! – exclamou o Afonso – lembro-me muito bem de ver uma, numa visita de estudo que fizemos ao parque biológico de Gaia e outra em S. Jacinto. Aliás, a minha mãe chama-me sempre a atenção para as araucárias centenárias, sempre que passeamos pelo Jardim do Passeio Alegre, ou pelo Palácio de Cristal. 

– Não sei nada disso! – exclamou o Vasco

Entraram e viram uma placa que dizia “dia de entrada livre”. Logo a seguir um rececionista entregou-lhes uns pequeninos bilhetes.

– Mas isto é o quê? - questionou o Vasco.

Então olharam para os bilhetes que diziam “Museu da Pesca de Valbom”.

– Mas isto não estava aqui antes! – exclamou o Rui.

– Bem, vamos ver o que tem - sugeriu o Afonso

À direita estava localizada uma sala que contava a história da pesca em Valbom num filme a 3 dimensões. Os três rapazes sentiram-se realmente atores.

Aí, ficaram a saber que o concelho de Gondomar, junto do Porto tem estado ligado, desde épocas longínquas ao rio Douro. É que este banha as freguesias de Valbom, Jovim, Foz do Sousa, Medas, Melres e Lomba.

Segundo o geógrafo grego Estrabão, já o seu povo navegava no rio Douro, mas foi na Idade Média e Moderna que a vida económica se intensificou.
Com efeito, o Foral de Gondomar, dado por D. Manuel faz referência à importância deste rio, quer a nível da pesca, quer da comunicação. No século XIX, Valbom tem frotas de pescadores de costa e de alto mar, mas no século XX, a pesca decai, devido à construção da barragem de Crestuma- Lever e à falta de regra. Só no século XXI, por volta de 2050, é que a pesca se reabilitou devido a importantes obras de requalificação do rio.

– Como, que data é que ele disse? – perguntou o Vasco.

Não obteve resposta porque um locutor continuava a informar:

– A importância da pesca, nesta região, é conhecida já desde o tempo dos Fenícios que comercializavam o peixe salgado e dos Romanos, que a partir do séc. I I, faziam da conserva de peixe, chamada garum, a delícia dos seus banquetes. Na Idade Média, legislou-se sobre a cobrança de impostos sobre o pescado, o que aliás aparece no foral de Gondomar. Só em 1843, vão ser substituídos todos estes impostos de pesca devidos aos senhores por um para o Estado.

A preocupação de regrar a pesca, do ponto de vista ecológico, vai, também, ser constante. Por exemplo, os “Acórdãos da Câmara do Porto” de 1560 e 1561 estabelecem o tipo de malhas permitidas e proíbem certas redes (mossas e covãos nos meses de março a maio, exceto para os sáveis, bogas e tainhas e redes varredouras, tresmalhos e galritos dobrados) bem como proíbem a poluição das águas com trovisco, barbasco, coca ou cal. No entanto, a provar que as leis não eram cumpridas, um Decreto em 1886 proíbe os mesmos métodos e redes, mas, as penas não eram de desprezar: três a trinta dias de prisão e correspondente multa.

O peixe pescado, nestas épocas era a Lampreia, Sável, Solha e Irez (eiró – espécie de enguia), como é referido no Foral de Gondomar.

No final do filme, alguns relatos falavam de naufrágios, o que não era de admirar dado a impetuosidade do rio Douro ao chegar à Foz, só quebrada pela construção dos molhes no início do século XXI.

 – Fogo, isto assim nem era pesca! Repararam nas datas? –  interrogou o Vasco.

Os outros encolheram os ombros e perguntaram, os dois à uma:

– Em que enrascada nos metemos?

Logo a seguir, passaram a uma zona ampla, a dos barcos.

 Em lugar de destaque, estava o valboeiro, um barco de pá, com fundo estreito de tábuas sobrepostas, bordos altos e bico agressivo adaptados ao troço de rio sem acidentes.

– Eu já andei num valboeiro! – exclamou o Afonso – fiz a travessia para Avintes! Mas já não tinha só remos, possuía um motor a gasóleo e a ré cortada.

   Um filme projetado numa das paredes, em écran gigante dava explicações mais pormenorizadas sobre estes barcos. Os rapazes voltaram a sentir-se dentro da ação e também um pouco confusos.

O valboeiro era um barco de pesca usado tanto no rio como no mar – relatava uma voz – também chamado saveiro era o barco utilizado na pesca do sável e media cerca de 6,8 metros. Podia ser, todavia, utilizado, também, como barco de carga. Adotavam um sobrecéu quando se destinavam às padeiras de Avintes ou aos passeios ao longo do rio.

O locutor continuava as suas referências aos barcos como o Rabão Branco, que estava ligado ao transporte da areia, gado, lenha, carqueja, caranguejo e ao Rabão Negro, com cerca de 50/60 toneladas ou até mais, que transportava, desde 1917, o carvão das Minas do Pejão, até à fábrica de briquetes,  no Esteiro de Campanhã, até aos anos sessenta do século vinte- era a esquadra negra.
O Rabão tinha uma tripulação de quatro homens: um arrais com o leme a seu cargo e função de comando; o feitor que substituía o arrais na sua ausência; o cozinheiro e o marinheiro encarregado da cama onde dormiam todos.

O Barco Rabelo também estava exposto.

O Vasco aproveitou para subir a uma espécie de ponte, a apegada, e agarrar a espadela que serve de remo e leme, mas foi logo avisado por uma voz:

– Se quiser fazer uma viagem nos nossos barcos, inscreva-se à entrada. Estes barcos expostos não podem ser visitados por dentro sem autorização prévia.

Um novo filme mostrava a construção e navegação do barco Rabelo, um barco de espadela – ramo que governa o barco e está sujeito a um eixo tornel. Possui, ainda, dois remos de cada lado e fundo chato – o sagro – constituído por um número ímpar de tábuas.
O narrador do filme defendia a sua origem Sueva, Visigótica ou até Viking. Transportava vinho, lenha, madeira, carvão, fruta, palha, batata e outras mercadorias. A vida a bordo do Rabelo era árdua e trabalhosa, existindo, então, uma espécie de hierarquia de comando. Para um barco de 50 a 60 pipas, a tripulação era constituída por treze pessoas. A confeção da comida estava a cargo do moço e do vinhateiro que, também, zelava pelo vinho e pelos víveres. Grande parte das refeições era à base do caldo e do peixe pescado pelos próprios, além de pão e vinho.
 A certa altura, via-se um barco em dificuldades. Para não encalhar tinha que ser puxado à “sirga”, ou seja da parte da terra, com a ajuda de bois. Com uma buzina, búzio ou corno, os tripulantes do barco, em aflição, chamavam os lavradores para levarem os bois até junto do barco e o puxarem com cordas.
    Os perigos do rio, difícil de navegar, levavam os marinheiros a construírem, nos locais mais perigosos, imagens de santos aos quais pediam a proteção. Transportavam, também, por vezes, uma caixa com as “Alminhas” do barco, onde depositavam a sua esmola, agradecidos, depois de terem sido salvos de algum perigo.

Mais à frente, estavam os barcos de travessia e mais um filme na parede, mostrava um indivíduo a chamar:

“Ó barqueiro traz cá o barco,
Traz também a amarração…
Que eu quero atravessar
De Avintes para Valbom!”

Este filme referia as barcas de travessia e os barcos que aproveitavam o rio para levar os produtos ao Porto, quer eles fossem, pão, carne, ou carvão.

Como barcos de passagem para a travessia entre Gondomar e Gaia, eram, por vezes, conduzidos pelas barqueiras e mediam cerca de 7,5 metros. Neste caso, o rebordo falso era calafetado e munido de um resguardo para evitar a entrada da água. Podiam ter também coqueiro, que era uma cobertura protetora. Ribeira de Abade, em Valbom, hoje um importante centro piscatório, foi um dos pontos onde existiam mais barcos, mas havia outros locais, já que Gondomar estava, através do rio, em estreita ligação com o Porto onde decorria a mais importante vida económica da região.

– Hoje um importante centro piscatório? – interrogou-se o Afonso. Meia dúzia de pescadores, foi o que me disseram, na última vez que lá fui, e não dá para o trabalho!

– Pois é, uns barquitos na praia suja e um barracão a servir de bar a uns cotas que jogam cartas! – completou o Rui.

– Eu acho é que estão a esquecer qualquer coisa! – exclamou o Vasco enigmaticamente.
Uma outra zona prestava homenagem aos construtores de barcos.

Um novo filme destacava um artesão, chamado Mestre Arnaldo, ou Arnaldo Pereira, nascido em Vilar de Andorinho, Vila Nova de Gaia, a 9 de Março de 1911, numa família de construtores de barcos e falecido já na casa dos oitenta anos. Estabelecido em Melres a construir barcos, participou em inúmeras feiras de artesanato a fim de dar a conhecer os seus barcos.

Esta arte foi continuada por Manuel Joaquim Moreira de Sousa, mais conhecido por Nelito do Sr. Albertino e mais tarde por Vasco Magalhães Moreira, também de Melres e tantos outros. Todos mantiveram o seu estaleiro em Vilarinho que, desde então até hoje, se tornou um centro construtor destes barcos.

Outra sala fazia a ligação da pesca à ourivesaria.


                                                        Trabalho de José Martins França
                                       

Aí podiam observar-se, em filigrana, as embarcações que os ourives, viam a navegar no rio, sobretudo o barco rabelo em variações diversas. Um filigraneiro ensinava a fazer os finos ss e o Afonso quis logo experimentar, seguido dos outros dois amigos.

– O meu avô foi filigraneiro – elucidou o Afonso – em casa temos algumas peças em filigrana – caravelas, barcos rabelos e outras coisas. Aliás a caravela é o símbolo de Gondomar, embora ultimamente se tenha visto mais o coração ou até o G.



Entretanto, o Vasco chamava:

– Venham ver esta sala, tem muitas redes de pesca!

– Eu já vi redes destas noutros museus – observou o Afonso, que já tinha ido ao Museu Marítimo de Ílhavo e à Estação Litoral da Aguda- ELA.

Mas aqui, neste local, aparecia tudo muito mais perto das pessoas e a ação era a três dimensões, era como se os três se sentissem, eles próprios, a pescar com as diversas redes: o Alar, rede triangular bastante comprida, para a lampreia; o Camaroeiro ou Conchinha, saco de rede, ligado a um cabo e que servia para o sável, lampreia, savelha; o Tresmalho ou Vanda, redes de três panos sobrepostos, também para o sável, lampreia e  savelha; a Varga, Varina ou barga, rede de arrasto de linho com um único pano de emalhar e grande cortiçada na tralha superior e a inferior ligada ao lastro, feito de pedaços de barro vermelho, usadas para o sável, savelha, solha, sempre a arrastar do rio ou  mar para a terra para o que tem cordas amarradas; a Espinhela que é lançada começando por enterrar, perto da margem, uma estaca, com cerca de meio metro onde se amarra uma corda e na outra extremidade prende-se com um fio uma pedra com cerca de um quilo que é para assentar no fundo. Esta é atirada ao rio esticando a corda. A linha com cerca de duzentos metros tem um anzol de dez em dez e isca-se com minhoca, camarão ou sardinha. No final deste aparelho, amarra-se uma boia para saber onde ficou. É usada para peixes de tamanho médio: enguia, robalo e tainha.

– Puxa, usam camarão para servir de isca! Agora é que ia um pratinho de camarão cozido à maneira!- exclamou o Rui.

– Só pensas em comida, ó magricela! – criticaram a sorrir os dois amigos.

Por fim, pararam junto do instrumento que mais conheciam, a Cana de Pesca para peixes pequenos.

– Peixes pequenos! – exclamou o Vasco- uma vez, o meu tio pescou um peixe quase do meu tamanho!

– Tu viste? – perguntou o Rui

– Não, mas ele disse-me! –  respondeu o Vasco.

– Olha que os pescadores têm por mania mentirem!

– Olha que o meu tio não mente, ein – ripostou o Vasco, com um gesto agressivo.

– Vá calem-se, não se vão pegar pelo tamanho de um peixe, pois não! Se pescou, pescou e depois! –  rematou o Afonso.

Também não tiveram tempo de prosseguir a discussão, porque o locutor ensinava, agora, como eram as armações de pesca, as Pesqueiras, que existiram, em tempos, ao longo do rio.

Em Valbom existiam, até ao início do século XX, em: Lavandeira; Perlonga e na Quinta do Casal da Vinha.

Numa outra zona, recriava-se um aquário com as espécies mais vulgares no rio: Barbo – Barbus; Enguia –  Anguilla;  Boga – Chondrstoma  Polylepsis; Escalo – Leuciscus;  Truta – Salmo Gairdneri – Salmo Gairdner – truta arco-íris; Lampreia – Lampetra Fluvialis ; Sável – Clupeia  Alosa; Solha – Flesua Vulgaris; Tainha – Mugil Capito; Muge – Mugil Auratus.

– Agora é que era só pescar e ir para o tacho – exclamou a brincar o Rui.

Logo uma voz lhes respondeu.:

– Podem pescar aqui o peixe que quiserem e comê-lo no nosso restaurante. Podem até ajudar a cozinhá-lo!

– Ein, será que estou a ouvir bem? – questionou o Rui, cada vez mais perplexo.          

Em frente, outra sala, quer dizer, mais uma espécie de restaurante, era dedicada à gastronomia. Um colaborador do restaurante entregou-lhes um folheto com receitas, em papel reciclado.

– A culinária gondomarense, sobretudo das zonas ribeirinhas, foi, desde sempre, muito apreciada. A literatura do século XIX,  refere o hábito da burguesia portuense ir ao peixe frito a Valbom –  leu o Afonso.

Perguntou, então, o Rui:

– Será que podemos experimentar um um arroz de lampreia ou um sável no espeto, já estou a ficar com um ratito no estômago? E pescá-las ali no aquário era emocionante!

Na verdade um grupo tentava pescar um sável, mas a partida estava difícil. É que, naquela parte, o aquário comunicava diretamente com o rio e os peixes podiam fugir facilmente. Se a refeição dependesse da sua pescaria, ainda iriam passar fome. Mas logo, um indivíduo elucidou que, caso a pescaria não tivesse êxito, havia já um peixe fresco, pronto a ser cozinhado!

O Rui ficou, então, mesmo entusiasmado.

– Vamos, vamos tentar e depois almoçamos!-exclamou.

– Ó Rui, achas que temos dinheiro para isso! Eu estou é a ficar muito confuso com isto tudo! – desabafou o Afonso.

À saída publicitavam-se viagens no rio para observar estes peixes, numa espécie de submarino, movido a energia hidráulica, ou então viagens em cada um dos barcos expostos, onde se podia pescar.

– Quem é que tem dinheiro? Vamos inscrever-nos – sugeriu, agora o Vasco.

Logo apareceu uma senhora simpática que lembrou aos três amigos que só poderiam participar nas viagens acompanhados por um adulto, o que os desanimou.

– Que injustiça! - exclamaram os três ao mesmo tempo.

Uma outra sala era dedicada a jogos – pesca virtual e filmes reais de pescarias.

Os três amigos pegaram logo na cana de pesca para jogar.

A meio da pescaria de um grande sável, o Afonso lembrou-se:

– Mas aquilo que estavam a pescar lá fora não era um sável? Vamos ver? – sugeriu.

À saída viram uma placa que dizia “ Dia 5 de Junho de 2200, Dia Mundial do Ambiente, comemorativo dos 100 anos da assinatura do protocolo de Kyoto pelos Estados Unidos”.

Os três amigos olharam para os bilhetes que o rececionista lhes tinha dado à entrada e dizia a mesma coisa. O papel era de certeza reciclado!

– Olhem para aqueles painéis. Para que servirão? – perguntou o Vasco

Um rapaz com umas roupas que pareciam ser de ganga muito leve aproximou-se deles e perguntou-lhes :

– Vocês não são daqui,  pois não?

– Somos! Somos! – responderam em coro – Tu é que nos pareces estranho! –  exclamaram os três ao mesmo tempo.

– Não sabem que aqueles painéis são fotovoltaicos? – admirou-se o rapaz.

– São para tirar fotografias ? – perguntou o Vasco.

– Vocês são mesmo estranhos! Então não sabem que servem para absorver a luz solar e a transformar em energia elétrica? – explicou o rapaz.

– Ah! Na minha urbanização há vários, mas são diferentes - lembrou-se o Afonso. – Tu também moras aqui? – questionou.

– Moro ali em cima, na rua Habival - respondeu o rapaz.

Então és meu vizinho! – exclamou o Rui – Como é que te chamas? Em que número moras?- inquiriu.

– Chamo-me João e moro no número 20. – respondeu o rapaz.

– Ah? Esta agora! – exclamou o Rui olhando para os colegas estupefacto.

– Acho é que estamos metidos num belo sarilho!- desabafou o Vasco um pouco curioso.

– Se calhar és da minha família?-  replicou o Rui.

– Porque dizes isso? – perguntou o João.

– É que eu vivi nessa casa mas foi… oh, fogo … Há quantos anos? – engasgou-se o Rui.

– Há 180 anos atrás? – Sugeriu o Afonso completamente estupefacto

– Ah! Como é que isso é possível! – admirou – se o João. – Mas vocês são do passado?

Os três amigos encolheram os ombros e desataram a rir:

– Se calhar! – exclamaram em coro.

– Como assim? – quis saber o João.

– Olha, viemos aqui fazer um trabalho sobre a poluição da zona, sentámo-nos debaixo de um chorão e aparecemos aqui!

– Poluição? Não temos poluição. Isso é uma coisa do passado, o meu pai é que sabe explicar! Então, são mesmo do passado? – insistiu o João.

– Que data é hoje?  – questionou o Afonso.

–  5 de Junho de 2200 – respondeu o João.

– Estás a ver, nós saímos de casa a 18 de Dezembro de 2020 – respondeu o Afonso.

– Puxa, situação complicada. Então devem precisar de ajuda! Querem ir comer a minha casa? – perguntou o João – Vou ali pedir aos meus pais!

– Sim – responderam os três em coro, até porque o Rui estava sempre esfomeado.

O João foi com os três amigos à beira rio perguntar aos pais:

– Mãe, Pai, posso convidar estes três rapazes para irem comer a nossa casa?

– E os pais deles onde estão? –  inquiriu a mãe do João.

– É uma longa história. Acho que estão no passado – respondeu o João.

–  Morreram?- perguntaram alarmados.

– Não propriamente! - retorquiu o João. Eles viajaram no tempo ou coisa assim. Estão um bocado perdidos!

– Ó João, deves estar a ficar doente. Vamos já levar-te ao médico! – exclamou a mãe do João pondo-lhe a mão na testa.

– É verdade, é. –  afirmou o Vasco.

– Vamos para casa e vocês telefonam aos vossos pais – sugeriu a mãe do João.

– Não sei se é possível, mas podemos tentar! – pronunciou, entre dentes, o Afonso.

Enquanto caminhavam pela rua acima, o pai desabafou para a mãe:

– Em que aventura o nosso filho se meteu agora? Na verdade eles têm um ar tão esquisito!

Entretanto chegaram à ciclovia e os três amigos repararam que muita gente caminhava por ela ou andava de bicicleta e que o espaço estava rodeado por árvores mais densas do lado da estrada. Algumas destas árvores pareceram ao Afonso a árvore do âmbar. Do lado do rio, carvalhos e amoreiras estavam plantadas de forma mais espaçada e deixavam ver todo o movimento das águas.

 No meio do caminho o pai do João lembrou-se:

– Que tal se fôssemos ali ouvir como é que está a música hoje?

– Música! Que música? – admirou-se o Afonso.

– Não conheces o nosso eco órgão nas pesqueiras do casal da Vinha? – questionou o pai do João.

– Eco órgão? –  perguntou o Afonso curioso.




Entretanto, tinham chegado a uma escadaria que descia até ao rio. O pai do João insistiu:

– Então, não conhecem o eco órgão, um órgão de maré e vento?

– Não! – responderam os três completamente admirados.

 Nesta altura, o pai do João segredou à mulher:

– Não devem ser daqui, são mesmo estranhos!

– Mas como funciona? – perguntou o Afonso muito admirado.

– O interior das escadas tem um sistema de tubos que quando é empurrado pelo movimento do rio e do vento cria notas musicais, sons aleatórios – explicou o pai do João.

Nesse preciso momento, um barco valboeiro com uma hélice na ré sulcava o leito do rio em direção à nascente. Ouviu-se, então, uma música melodiosa e forte provocada pela ondulação.

– Mas que interessante! – exclamou o Afonso.

– Mas o que é aquela coisa estranha que aquele barco leva atrás? – questionou o Vasco.

– Vocês são mesmo uns meninos muito ignorantes – respondeu a mãe. – É aquele aparelho que fornece energia ao barco e faz com que ele se movimente.

Entretanto, duas gaivotas aproximaram-se deles e pararam junto de uma placa que dizia: “Homenagem da população de Valbom à Escola Dramática e Musical Valboense”.

– Ah! É um monumento à Escola Dramática! As festas da minha escola eram todas lá! – lembrou o Afonso.

– Ah sim? – quis informar-se o pai do João – e faziam o quê?

– Tudo, teatro, cantávamos, tocávamos. Na última, fizemos um concerto com instrumentos muito giros, objetos do dia a dia e outros. Eu toquei órgão, alguns cantaram ou tocaram flauta! Foi muito giro! – explicou o Afonso entusiasmado. – Mas a Escola Dramática ainda existe? – admirou-se.

– Claro, é uma conceituada academia de artes do espetáculo! – explicou o pai.

– Mas o seu edifício deve ser ultra moderno, não! – exclamou o Afonso.

– Não, claro que não, achas que íamos deixar destruir um edifício tão bonito como aquele? Foi um pouco acrescentado – respondeu a mãe – mas continua com o traçado original.

– Ainda bem! – exclamou o Afonso aliviado.

Entretanto, juntou-se-lhes a irmã do João:

– Mãe, vamos embora? Está na hora do almoço!

– Vamos! Vamos! Mas primeiro quero apresentar-te estes três amigos que o teu irmão arranjou.

– Olá. Eu sou a Luísa! – cumprimentou.

– Nós somos, o Rui, o Vasco, e o Afonso – responderam.

– São um bocadinho esquisitos – segredou a Luísa para a mãe que se riu.

– Bem, vamos embora. – ordenou a mãe.

– Vamos, vamos – insistiu o Rui, pensando que a rapariga era bem bonita.

O Afonso reparou:

– Uau! Tantos barcos enfeitados.

– É para a regata de logo à tarde. – explicou a Luísa.- Despachem -se que eu vou participar nela.

.- Acho que a minha avó me contou que, no início do século XX, havia uma procissão ao S. Pedro com os barcos enfeitados e o S. Pedro passeava num dos barcos rio abaixo – lembrou-se o Afonso.

– No início do século XX? – admirou-se a mãe do João e Luísa. – Mas ainda há essa procissão, é no dia 29 de Junho. Daqui a alguns dias!

Já na ciclovia viram uma série de bancas com uns bichinhos numas caixas que se alimentavam de folhas de amoreira.

– Que giros! Deixem-me ver! – exclamou o Vasco.

– São bichos-da-seda. É gentileza da Fábrica de Sirgo do Gato-informou o pai-Querem um?

– Sim! – responderam os três em coro.

A caixa que foi entregue a cada um trazia um folheto que informava que a fábrica de Sirgo do Gato foi fundada em 2130 e funciona com energia captada no rio Tinto. Emprega 500 operários e produz seda de alta qualidade.

– Na verdade, esta seda é muito boa! Este vestido que trago não encorrilha absolutamente nada - afirmou a mãe depois de ler o papel.

– Ó mãe a seda é base do nosso vestuário no verão, não é? – inquiriu a Luísa.

– É filha. A seda, a ganga  a lã, o bio plástico, o bio algodão são tecidos que dificilmente encorrilham e não exigem gasto de energia. Além do mais são recicláveis.

– Podemos apanhar um ciclo-veículo? – lembrou o João – Também estou cheio de fome!

De ciclo-veículo rapidamente chegaram a Gramido onde se localizava a marina do Clube Naval. O João gritou:

– Logo, é o Clube Naval que vai ganhar a regata! A minha irmãzinha vai ficar em primeiro lugar! Despachemo-nos, não quero perder nada!

Ao atravessar a passadeira o Afonso observou que na estrada circulavam uns veículos longos, espaçosos e aerodinâmicos. Perguntou, então:

– Que transporte é este?

– É um eco T funciona a energia solar e a óleo de cozinhar reciclado – explicou o pai.

– Dá para fritar batatas? – perguntou o Vasco.

– Depois de fritar batatas é que usas o óleo, olha que tu! – respondeu a Luísa um pouco arreliada.

Ao subir a rua, os três amigos viram vários pequenos eco pontos junto das casas com recipientes para o papel, o vidro, o lixo comum e o óleo. No fim da rua, havia um para roupa. Como estavam a aproximar – se da urbanização onde o Afonso morava este teve curiosidade em ver como estava ali o espaço.

À entrada da Rua Gerardo Kimpell Ribeiro, onde tinha existido um eco ponto com lixo sempre entornado, existia, agora, um busto que encostava um violino ao ombro. Ao pisar um tapete ouvia-se música. Atrás, um grande ecrã mostrava o violinista e dava informações sobre ele a três dimensões. Tudo dava a impressão de fazer parte do filme.

Num cubo de granito, dentro de várias gavetas transparentes havia violinos a sério. Bastava meter numa ranhura, a impressão digital para a gaveta se abrir e a pessoa poder experimentar tocar violino, com indicações que apareciam no écran.

A certa altura, o filme comunicava que quem quisesse aprender a tocar a sério poderia dirigir-se à Escola Dramática e Musical Valboense que lhe emprestaria um violino ou outro instrumento e ter aulas para aprender a técnica.

O Afonso ficou tão entusiasmado que teve que desabafar:

– Olha, nunca ninguém sabe quem é Gerardo Kimpell Ribeiro, um violinista valboense que emigrou para os Estados Unidos e lá ganhou fama mundial e agora!- e acrescentou – na verdade, só uma vez a rececionista do Centro de Saúde exclamou:  “Moras na rua de um grande violinista! Tive o prazer de o ouvir na Escola Dramática. É pena não estar em Portugal! Mas é o que acontece aos grandes artistas!”

 A urbanização que antes tinha zonas por construir estava toda preenchida de casas, cada uma com os seus paineis solares e o seu lindo jardim à frente. O jardim central, onde antes apenas sobreviviam duas árvores de âmbar, mal cuidadas, estava agora rodeado de escalona bem cuidada, agapantos e rosas. O solo estava coberto de umas aparas de árvore que, segundo parece, evitavam as regas. No meio, tinha um esplêndido carvalho com um banco por baixo. Aproveitando a sombra da árvore, duas pessoas de idade estavam lá sentadas, a vigiar três crianças que andavam de bicicleta.

O jardim da casa do Afonso tinha árvores enormes, um pinheiro, uma oliveira, uma laranjeira e um limoeiro.

– Seriam os mesmos?  – perguntou para si próprio, acrescentando - não pode ser!

– Não tem carros estacionados! – observou o Afonso, admirado.

– Claro que não. Hoje em dia as pessoas usam principalmente os eco T que são muito frequentes e têm uma cobertura total de quase todo o território. As famílias apenas possuem um carro de baixa cilindrada que usam mais em época de férias ou lazer.

– E esses carros também funcionam a energia solar e óleo de fritar – perguntou o Vasco.

– Sim podes levar as batatas e fritar – respondeu a Luísa no gozo.

Na urbanização existia um pequeno eco - ponto para recolher os desperdícios.  

– O recipiente do lixo é muito pequeno – observou o Afonso.

– É, porque tudo é aproveitado: os plásticos são reciclados para fazer diversas coisas entre as quais roupa, dos pneus fazem-se…. –  ia informando o pai do João.

– … estas minhas sapatilhas – completou o João.

– As pessoas fazem pouco lixo: os desperdícios vegetais vão para o compostor que existe em cada casa e em cada prédio para alimentar o jardim. Além disso, as roupas são boas e duradouras. Se quisermos mudar de feitio reciclamo-las. Há várias lojas que se ocupam disso. Não usamos quase nenhumas embalagens. Só isto reduz muito o lixo.

– Vamos rápido! Senão não chegamos a tempo à regata! – reclamou a Luísa.

Rapidamente chegaram à Rua Habival e os três amigos repararam que todas as casas tinham jardins com árvores e flores, o respetivo compostor, um paineis solares no telhado e no fim de cada quarteirão um eco-ponto. Chegaram a casa do João, nem foi preciso usar chave ou comando. A porta abriu-se, imediatamente.

– Como é que a porta se abriu – perguntou o Afonso?

– Tem um sensor sensível à nossa íris! Assim é mais seguro contra ladrões!

Estavam tão esfomeados que nem acharam a entrada em casa sensacional.

E, para cúmulo, a mãe do João, ainda, recomendou:

– Vão todos lavar as mãos para irmos para a mesa.

O Vasco ficou admirado com a torneira que ao contacto da mão ensaboada esguichava apenas uma pequena quantidade de água suficiente para lavar as mãos e não permitir esbanjamentos.

Enquanto estavam à espera de vez para lavar as mãos, o Afonso e o Rui repararam que, em cima de uma mesa, existia um espelho ou um ecrã que reproduzia imagens animadas da família do João. O Rui agarrou-se ao Afonso e gritou:

– Mãe! Pai!

Eram as imagens da mãe e do pai do Rui e logo a seguir apareceu a sua própria imagem. 

– Isto é um espelho ou um ecrã, estou a ter alucinações! – exclamou o Rui – Onde está a minha mãe e o meu pai? O que nos irá acontecer? -perguntou o Rui aterrorizado.

– Ah! Estás a ver o nosso álbum de família? – exclamou o João que voltava da casa de banho.

– Eeeeesstaamos. Paaaaarreeeeceeeee – me eee queeeeee souuuuuuuuu daaaaaaaaa tuaaaaa fafafaaaamiiiiiiiiiiiiiillllllliiiiiiaaaaaaaaaa –  respondeu o Rui a gaguejar.

A mãe e o pai voltaram da cozinha para apressar os jovens e repararam nas semelhanças entre o Rui e o tetra avô do João.

– Tu és o Rui Silva, tetra avô do João? – inquiriu a mãe do João.

– See caalhaar! Euu viviu nesestaa cassa maas estáá mmuittoo difeerenentee! – respondeu o Rui sem conseguir parar de gaguejar.

Mas, de repente, sentindo-se em casa, perguntou:  

– Ainda há aquela macieira que dá maçãs tão gostosas?

– Há! Há! Hoje vais comer as primeiras deste ano – respondeu a mãe do João – mas agora vamos à nossa sopinha e ao nosso sável de escabeche, pescado hoje de manhã na praia da Ribeira de Abade.

– Mas o sável não está em extinção? – perguntou o Afonso.

– Não, é do melhor que há, vais ver! – respondeu a mãe.

Os três amigos nunca tinham provado sável mas acharam que a refeição estava uma delícia, no entanto, foi o Rui que exclamou:

– Mas que mundo tão perfeito! É tudo bonito e delicioso!

– Não é bem assim, há para aí uns fora de lei, mas as forças de segurança metem-nos na ordem!

Estava a aproximar-se a hora da regata e a Luísa pediu licença para sair da mesa e equipar-se. Entretanto a mãe do João perguntou aos três amigos:

– Querem vestir uma roupa mais adequada ao tempo? Podemos tomar um banho no rio!

– Sim-responderam em coro os três amigos.

A mãe do João levou-os até ao quarto do filho, onde lhes entregou uns calções de bioplástico, a cada um e uma camisola de bio algodão. Logo a seguir desceram a rua a correr porque já iam atrasados para a regata. Mal lá chegaram, o Vasco propôs:

– Vamos dar um mergulho? A água está mesmo boa!

– Não! Não podem! Ainda não fizeram a digestão - ralhou a mãe do João. - Vamos mas é acomodarmo-nos num bom lugar à sombra para ver a regata - sugeriu.

O espaço começava a estar cheio de gente e já não havia muita escolha. No entanto, num golpe de sorte, encontraram uma mesa junto de uma árvore que acabava, sabe-se lá porquê, por ser abandonada por uma família inteira.

Finalmente, foi dada a partida e a emoção cresceu. O barco do Clube Lisbonense adiantou-se rapidamente. O do Clube Naval Infante D. Henrique, no qual remava a Luísa parecia não andar, ia em último. A multidão valboense estava desesperada mas os quatro amigos não perderam o ânimo:

– Força Luísa! – gritou o Rui.

– Tu consegues! – incentivou  o Afonso.

– Tu ganhas! – exclamou o João.

– És a melhor! – berrou o Vasco.

– Luísa Vaz, atira o Lisbonense para trás! – berraram várias vozes

A poucos metros da meta, a Luísa começou a adiantar-se e a ganhar terreno aos outros concorrentes, dando origem a saltos entusiasmados de quem estava a assistir. A claque começou a cantar:

– Luísa Vaz de tudo és capaz. Clube Naval, como tu não há igual!

Infante, Infante, Infante

Põe à prova o teu saber

Numa Luta de Gigante

Com vontade de vencer!

O barco da Luísa acabou por cortar a meta em primeiro lugar. Foi um entusiasmo geral!

– Inacreditável! Como é que de última chega a primeira!- exclamavam todos.

A resposta foi dada prontamente pelo João:

– É a minha irmãzinha. Está tudo dito! Uau!

A Luísa correu para junto dos amigos que entusiasmados a vitoriaram e de mãos juntas a atiraram ao ar.

“Infante, Infante, Infante

É um clube fantástico

Sempre a remar…

És a nossa fé

Olé Infante, olé

“Infante, Infante, Infante”

– Uf! Que emoção! Apetece-me comer uma enorme sandes mista, uma enorme fatia de bolo de chocolate e um copo de sumo gigante.

– Está bem isso tudo, mas não esqueças a taça! – replicou o pai rindo.

Na esplanada, os três amigos olharam uns para os outros tristemente e não lhes apeteceu comer nada.

– Então não querem comer nada? – inquiriu a mãe do João.

– Não. Não nos apetece – responderam os três.

– Não vos apetece! Não acredito. Pagamos nós – insistiu a mãe do João.

– Não. Não nos apetece – replicaram os três amigos novamente.

– O que se passa convosco? – questionou a mãe do João.

– Por um lado, já temos saudades e, por outro, vamos ter de vos deixar – explicou o Rui.

– Então o que podemos fazer? – perguntou o pai do João.

– Podemos ir ao chorão de Gramido – sugeriu o Afonso. – Será que ainda lá está? – inquiriu.

Despediram-se uns dos outros e foram-se sentar debaixo do chorão que agora parecia uma verdadeira gruta. Esperaram, esperaram e esperaram e nada aconteceu até que profundamente preocupados quase desataram a chorar.

Entretanto, já tinha passado uma hora e a mãe do João tentou acalmá-los:

– Deve haver alguma coisa que vocês não estão a ter em consideração. Que tal relaxarem com um banho no rio para refrescar as ideias!

Aos três amigos não lhes apetecia nada mas com a insistência dos pais do João e da Luísa, deram umas braçadas nas águas límpidas do rio. Quando o banho acabou, a mãe do João e da Luísa propôs que fossem até casa para calmamente refletirem melhor sobre a situação.

Desta vez o caminho pareceu-lhes muito longo, de modo que quando chegaram junto ao ponto de convergência entre a rua do Clube Naval Infante D. Henrique e da Barrosa sentaram-se num banco de granito, desanimados.

Os pais do João e da Luísa já não sabiam como os haviam de animar. Foi, então, que o Afonso olhando para a frente descobriu uns tubos esquisitos curvos, onde circulava água que caía numa fonte.

– O que é? – perguntou o Afonso – parece um órgão de água!

-É, é, olha, tu que pareces gostar de música, experimenta tocar ali uma peça no órgão – convidou o João.

O Afonso não lhe apetecia fazer nada, mas dada a insistência de todos, lá experimentou tocar a “ Sonata ao Luar” de Beethoven e achou a técnica do instrumento muito simples. É que já tinha ouvido falar de órgãos de água mas nunca tinha visto nenhum ao vivo.

Atrás da fonte, novo painel informativo em vídeo a três dimensões fazia homenagem a um organista valboense, mas o Afonso tão emocionado com a música que lhe lembrava a sua casa desatou a correr para casa do João e os outros seguiram-no sem prestarem mais atenção. Só o apanharam junto do número 20 da rua Habival, esbaforido e completamente desalentado. Então o pai do João para desanuviar perguntou:

– Vamos entrar de impressão digital ou de íris do olho?

– Mostrem os olhos porque a vossa família tem os olhos bem bonitos! – respondeu o Rui, sempre galanteador.

Dentro de casa, a mãe convidou-os a tomar banho e mudarem-se para as suas roupas antigas, enquanto lhes preparava um lanche fantástico com tostas mistas, torradas, bolachas de chocolate, rissóis, gelado, croquetes, panados, frutas diversas e sumos. Os amigos lá foram petiscando aqui e ali e ganhando ânimo. Acabado o lanche, o Afonso sugeriu:

– Que tal irmos ver o álbum de família para ver se temos alguma ideia?

Dirigiram-se, então, para a mesinha da entrada e foram observando imensos vídeos que não lhes diziam nada. Uma pessoa ou outra assemelhava-se ao Rui até que apareceu claramente o seu pai e a sua mãe. E, de repente, o vídeo deixou de funcionar e tornou-se espelho. Viram-se aos três projetados no painel: o Rui, o Vasco e o Afonso com as mesmíssimas roupas que envergavam naquela altura. Era de alguma vez em que os três brincaram juntos? Estavam a ver-se refletidos?

– João! Luísa! Venham cá todos! – gritaram perplexos

Mal acabaram a frase foram sugados pelo ecrã.

Quando acordaram, sentaram-se os três. Estavam debaixo do chorão da praia de Gramido.

O rio ainda parecia dormir, as águas calmas ainda refletiam algumas luzes amareladas. Uma ou outra folha navegava na corrente e só isso mostrava que o rio tinha movimento.

Olharam à volta: perto do salgueiro-chorão, leram: “Zona de recreio e lazer. É desaconselhável a prática balnear neste lugar.” Mais à frente, uma tabuleta partida dizia; “Água imprópria para banhos” .

A praia tinha sacas, latas, garrafas,betas de cigarro,  papéis espalhados pelo areal. .

– O que é que nos aconteceu? – inquiriu o Rui.

– Adormecemos – respondeu o Afonso

– Bem me pareceu que era uma hora muito matinal para vir fazer o trabalho. – lembrou o Vasco.

– O que é isto? – questionou o Rui pegando numa caixinha.  

– É um bicho-da-seda – respondeu o Vasco.

– E isto? – perguntou o Afonso pegando num bilhete reciclado que dizia “ Dia 5 de Junho de 2200, Dia Mundial do Ambiente, comemorativo dos 100 anos da assinatura do protocolo de Kyoto pelos Estados Unidos”.

Trabalho escrito originariamente em 2007, revisto e atualizado em 2020

José Moreira e Maria Gomes