Forais Novos
- Problemas;
- Soluções;
- O que lucraram os gondomarenses com o Foral
Manuelino
São múltiplos e complexos os problemas com que
se debate o poder local, em meados do século XV.
Um dos grandes problemas consiste na falta de
uniformidade no que respeita à legislação em vigor, apesar dos esforços de D.
Duarte, do regente D. Pedro para que se procedesse à compilação e
sistematização de forma a haver um maior conhecimento das leis pelas diversas
partes interessadas. Compilam-se as Leis e Posturas e redigem-se as Ordenações
de D. Duarte e mais tarde as Ordenações Afonsinas. De acordo com estas últimas,
os corregedores deveriam zelar para que o escrivão da comarca lançasse em livro
para conhecimento de todos os vereadores e juízes a quem competia aplicá-las e
cumpri-las.
Já no reinado de D. João I, os procurados do
Porto apresentaram queixa nas Cortes de Santarém de 1430 contra os excessivos
direitos que os donatários do termo da cidade tentavam cobrar e sobre a forma
como aplicavam a justiça.
Nas cortes de Lisboa, de 1455, as reclamações
incidiram na necessidade de regulamentar os pesos e medidas tradicionais
Nas Cortes de Coimbra e Évora de 1472 e 1473,
no reinado de D. Afonso V, os concelhos queixam-se, mais uma vez contra as
arbitrariedades dos senhores, nomeadamente porque os forais em uso estavam
rotos, falsificados entrelinhados ou redigidos de forma que não se entendiam,
pelo que suplicavam ao Rei que os reformasse a fim de extirpar as burlas e
enganos neles falaciosamente introduzidos.
O monarca decide, mesmo, que o Juiz dos seus
Feitos examinasse todos os forais. No entanto, a turbulência reinante no tempo
deste monarca teria impedido que esta reforma fosse levada a bom termo.
No reinado de D. João II, nas cortes de Évora
de 1490, os procuradores dos concelhos voltam a queixar-se das arbitrariedades
dos senhores, o que levava ao despovoamento do reino. D. João II determinou, então,
através de carta régia, que todos os interessados fizessem chegar à Corte os
seus Forais, para serem examinados e conformados. Como o prazo era longo, cerca
de dois anos, e a revisão dos forais implicava outras reformas, ainda, não foi,
nesta altura, que se procedeu à reforma dos Forais.
Esta só se efetivou no tempo de D. Manuel I. Em
Montemor- o - Novo, em 1495, os povos queixaram-se que os forais levavam a “grandes
opressões e suscitavam discórdias entre eles e os oficiais régios.” Além disso,
estavam escritos em latim e outros “em desacostumada linguagem”.
O rei D. Manuel I, por Carta Régia ordenou,
então, em 1497, que todos os forais fossem reexaminados, de tal forma,” que se
possam bem entender e compor”.
Para tornar mais fácil a tarefa, D. Manuel I
nomeou uma comissão de 22 desembargadores, a fim de redigir um conjunto de
princípios gerais que servissem de base a todos os forais. Como foram aprovados
pelo rei, quando se encontrava em Saragoça a tratar de questões da sucessão ao
trono, ficaram conhecidos por ” Pareceres de Saragoça”. Ao contrário dos outros
reis, que tinham nomeado uma individualidade, encarregou uma comissão de
peritos.
Nomeia, também, Fernão de Pina, Rui Boto e João
Façanha como oficiais dos Forais. Os forais novos seriam escritos em Português
da altura, Leitura Nova, suficientemente esclarecedora para evitar más
interpretações. As terras que não tinham Foral passariam a tê-lo. Na verdade,
declara, D. Manuel I:
“Fazemos saber que vendo nós como o ofício do
Rei não é outra coisa senão reger bem e governar seus súbditos em justiça e
igualdade, a qual não é somente dar a cada um o que seu for mas, ainda, não
deixar adquirir nem levar, nem tomar a ninguém senão o que a cada um
direitamente pertence” […]. Preâmbulo do Foral de Castro Marim
Fernão de Pina foi incumbido de proceder a
inquirições para obter um conhecimento geral das realidades locais para um
apuramento da verdade, de forma a sanar as confusões, existentes entre os
representantes dos concelhos e os privilegiados.
O auto respetivo era enviado à comissão
encarregada da reforma para, depois de analisados e resolvidas as eventuais
dúvidas e litígios subsistentes, se passar à redação das novas cartas, através
de um grupo de calígrafos para tal nomeados. Com base no material recolhido,
Fernão de Pina preparava os processos que iam depois a despacho com dois
juristas: o chanceler-mor e Fernão de Pina anotava os próprios textos vindos
dos concelho, num primeiro trabalho de recolha de elementos, com vista à
elaboração do novo diploma, e por vezes assentava o nome do calígrafo
responsável pelo texto final. De cada um, era feito um exemplar para a Câmara respetiva
e outro para o senhor, no caso de se tratar de terra de donatário, ficando uma
cópia registada na Torre do Tombo.
A reforma dos forais deu-se por concluída em
1520, desempenhando Fernão de Pina um papel muito importante na sua
prossecução.
Estes forais trouxeram, não só, a uniformização
das leis como uma certa estabilidade na vida das populações.
No nosso tempo, elas são consideradas como
fontes de direito, como fontes informadoras de produtos e matérias-primas
utilizadas, da transformação e comércio desses produtos, como fontes de
informação de quem exercia as leis e as aplicava, de esforço inaudito dos
produtores populares e dos comerciantes, empenhados em levar de terra em terra
os produtos do Reino e de fora dele.
O estabelecimento das normas contidas no Foral
permitia à administração e ao rei conhecer os seus direitos e corrigir alguns
privilégios.
O rei passava a ter uma noção muito aproximada
dos rendimentos devidos à coroa e aos cofres do Estado, digamos que o Estado
moderno, com a sua tendência marcadamente centralizadora, retira, desta forma,
aos concelhos, uma grande parte da autonomia local.
Os
forais perderam a característica de «estatutos» da vida concelhia para serem
apenas «registos» dos encargos e isenções locais pelo que a reforma manuelina
não conduziu ao imediato despertar das energias regionais, como era desejo de
muitas povoações.
No entanto, as reformas manuelinas não se
restringiram aos forais. D. Manuel legisla:
• a
Ordenação e Regimento dos Pesos (1502)
• o Regimento dos Oficiais das Cidades, Vilas e
Lugares destes Reinos (1504)
• os Artigos das Sisas (1512)
• o Regimento dos Contadores das Comarcas
(1514)
• o Regimento das Ordenações da Fazenda (1516)
• as Ordenações da Índia (1520).
• as Ordenações Manuelinas, leis gerais do
reino (1521) que divulgou com a ajuda da
imprensa.
Nem sempre as questões associadas à arrecadação
dos direitos ficaram inteiramente esclarecidas com a outorga do foral novo,
vindo a ser resolvidas, durante o século XVI. Foi o que aconteceu com os forais
das vilas do Couto do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça.
Outros houve, que foram outorgados
posteriormente à reforma dos forais novos, como é o caso do foral novíssimo de
Tavira.
Com o advento do liberalismo foram promulgadas
várias leis tendentes à supressão dos forais, até por fim serem abolidos pelo
Decreto de 13 de Agosto de 1832, confirmado pela Carta de Lei de 22 de Junho de
1846.
“O poder da nobreza assentava nas doações
régias dos bens da Coroa. Com o advento dos ideais liberais essa prática é
posta em causa pois não só impedia a burguesia de aceder à posse da terra como
se constituía num entrave ao desenvolvimento da agricultura. Por outro lado, as
cartas de foral, ao regulamentarem as relações económicas e administrativas das
populações com os senhorios, permitiram que estes se apropriassem dos tributos
nelas consignados, privando o Estado de uma importante fonte de rendimento e
limitando inclusivamente a sua autoridade.
[…] “A gente privilegiada vivia do suor alheio,
estimava que os reis dispozessem dos bens do
Povo,
porque de facto dispunham desses bens a favor deles; perante aquella gente
imoral o amor do Altar, e do Throno quer dizer amor de si; e quando virão na
Carta [Carta Constitucional de 1826] que Mercês rendosas não podião ser feitas
sem aprovação das Camaras, virão secar a fonte de suas esperanças futuras […].
He então necessário aproveitar os conhecimentos da Europa civilizada, e
arrancar das mãos dos inimigos o fructo dos trabalhos dos Povos […]. he fácil entender que a natureza dos Bens da
Coroa era o sacrifício de todo o bem possível a certo número de famílias, e que
sem destruir a Povoação do Reino, e a subsistência das Classes medias, não
podia continuar a existência de huma natureza de Bens, nos quaes o gozo
consistia na destruição: a baixeza dava a quem tinha Bens da Coroa certa
esperança de os perpetuar, mas a conveniência lhes dictava toda a negação de os
melhorar. […] fundado sobre tudo no quadro de horror, que oferece hum Cidadão
laborioso, quando cheio de fadigas de hum anno inteiro vê levantar sua colheita
a mil agentes da avidez do Clero, e dos Donatarios, e fica reduzido ao
miserável resto, que a avidez deixa á mendicidade laboriosa, para fazer á porta
dos Claustros, e das cocheiras alardo daquelas esmolas, com que se alimentão
nas Cidades os filhos mendicantes daqueles mesmos trabalhadores, que sem
Foraes, e Dizimos farão deles Cidadãos industriosos. E de bons costumes; […]
proponho a V.M. I. hum Decreto de huma transcendência superior, em quanto ás
terras dos Foraes , ao de trinta de Julho deste anno, que extinguio os Dízimos.
Com o Decreto, que proponho, a V. M. I. tem de
obter na Historia hum lugar distincto; e a geração presente, e as vindouras
bem-dirão o Principe, que todos os dias augmenta o bem-estar dos Povos. Porto,
treze de Agosto de mil oitocentos trinta e dous.
O
Ministro e Secretario d’Estado dos Negócios da Fazenda José Xavier Mouzinho da
Silveira
[Excertos do relatório que antecede o Decreto
da extinção dos forais e dos bens da coroa]
O Decreto de Mouzinho da Silveira de 1832 ao
decretar a extinção dos forais e dos bens da Coroa veio ditar o fim da
sociedade senhorial. Os forais novos produzidos pela reforma empreendida por D.
Manuel não prevaleceriam pêra sempre, conforme preconizara.”
Decreto de extinção dos forais e dos bens
da coroa. 1832 Collecção de decretos e regulamentos mandados publicar por sua
Majestade Imperial o Regente do Reino desde que assumiu a regência até à sua
entrada em Lisboa. Lisboa. 1833. Imprensa Nacional.
Impresso, 330 x 430 mm, papel ANTT, Colecção de Decretos, segunda série, n.º
2278.