O
escrivão do Foral de Gondomar não teve necessidade de recorrer às inquirições e
tombos medievais para fixar os foros a pagar pelos lavradores, porque havia
sido elaborado recentemente um novo tombo em que as partes havia chegado a
acordo sobre estas matérias. A letra do foral apenas exige que o novo tombo
seja justificado e ratificado com juramento na presença de todos os foreiros e
do mordomo do senhorio.
Acrescenta-se,
no entanto, que os foreiros serão obrigados a depositar no celeiro do senhorio,
em Gondomar e não noutro lugar, os respetivos foros no prazo normal, ou seja,
entre Santa Maria de Setembro (8 de Setembro) e o Dia de Natal. Se não
cumprissem o estipulado, os foreiros seriam obrigados a pagá-los pelo preço
mais favorável que tivesse ocorrido. Se, pelo contrário, fossem os mordomos ou
rendeiros a recusar receber os foros entregues dentro do prazo, o foreiro podia
entregá-los a um homem bom (geralmente uma autoridade da terra) ou pagá-la pelo
valor que comummente valessem.
O
foral de Gondomar apresenta elementos específicos, tais como os direitos de
pescaria no rio Douro que, sendo direitos régios, reverteriam a favor dos
senhorios.
DIREITO
DE CONDADO
Um
outro elemento, tido como direito fundamental, era o chamado direito de condado
que incidia sobre a pesca do sável e da lampreia. Quanto ao sável, pagava-se
por cada rede (tresmalho) anualmente, de uma só vez, trezentos reais, dos quais
cinquenta seriam substituídos por dois sáveis. E de cada rede da pesca da
lampreia pagava-se por ano duas lampreias e cento e cinquenta reais em
dinheiro. Quem pescasse nos areinhos ou nas saídas para terra era muito mais
sobrecarregado: pagaria o quinto do que pescasse – e isso como direito de
condado. E, como direito real, tinham que entregar ainda o primeiro sável.
DISPOSIÇÕES
DE DIREITO FISCAL
PORTAGEM
Segundo
o dicionário de História de Portugal (Coord. De Joel Serrão, Vol. 5), a
PORTAGEM era um imposto indirecto que incidia sobre a compra e venda de
mercadorias. Pagava-se portagem de todos os produtos entrados no Reino ou em
cada concelho, para aí serem vendidos, e também dos géneros exportados, desde
que essa exportação não correspondesse a uma importação de igual valor (…) Este
pertencia ao soberano e, assim, as nossas Ordenações consideravam-no um direito
real.
Numa
grande parte dos concelhos só estavam obrigados ao tributo da portagem os
mercadores estranhos ao grémio municipal. Os vizinhos, ao abrigo das regalias
concedidas pelo foral, podiam isentar-se do imposto mediante o pagamento anual
duma avença.
O
foral de Gondomar regula os direitos de portagem informando-nos, apenas, das
coisas que de que não se pagará portagem, a saber: “Item: nam há hy d aver
portajem de compra e venda ninhua na Terra nem por comsseguynte se fará mudança
na passajem das barquas de como se ora usa”.
LUTUOSAS
Segundo
Francisco Ribeiro da Silva, a mais linda joia. Segundo o dicionário de História
de Portugal (Coord. De Joel Serrão, Vol. 4), a LUTUOSA era um direito antigo
pago ao rei, aos donatários ou aos prelados por morte, respetivamente, dos
vassalos, dos rendeiros ou dos abades, priores e reitores de mosteiros e
igrejas, bem como pelos simples beneficiados e clérigos. O quantitativo a pagar
variava com os bens do defunto ou do benefício.
Quanto
à lutuosa o foral de Gondomar informa-nos que nenhum foreiro antigo ou
reguengueiro pagará este imposto já que os forais antigos não mandam que se
pague
(“E
nam se pagaram lutosas na dita terra por ninhuns foreiros amtiigos nem
reguemgueiros della por quanto nam se mostra pollos foraees amtiigos.
Acrescenta
ainda que, quanto a emprazamentos novos, pagar-se-á o direito de lutuosa
conforme o que esse contrato estipular (“E se em alguuns emprazamentos novos
for decrarado que se aja de pagar essa soo se pagara segundo forma do tal
emprazamento”).
DÍZIMA
DO PESCADO
Segundo
o dicionário de História de Portugal (Coord. De Joel Serrão, Vol. 4), a DÍZIMA
era um encargo tributário cuja existência na Península é muito anterior à
fundação da nacionalidade. A sua taxa era de um décimo-
No
foral de Gondomar este encargo tributário encontra-se associado ao pescado,
mais concretamente ao sável e à lampreia, pelos quais se pagava a dízima tanto
ao rei como à igreja.
O foral especifica os montantes a pagar nas
pescarias do Douro: no que respeita ao sável pagava-se por ano e de uma só vez
trezentos reais, sendo que cinquenta reais desse valor seriam pagos com dois
sáveis - dois sáveis valiam cinquenta reais - (“pagara em cada huum anno hua
soo vez trezentos reaes comtando dous saves que am de dar em cinquoenta reaaes”),
afirmando também que não se pagará qualquer outro direito para além dos
trezentos reais e conclui, ainda, que este imposto seria pago primeiro à igreja
e depois ao rei (“nam se paga mais outro direito de comdado que os trezentos
reaaes pagamdo porem a dizima nova a El Rey despois de pagar primeiro outra
dizima aa Igreja ou Igrejas”). E, como direito real, tinham que entregar ainda
o primeiro sável (“Item: e paga-se mais por direito Real nesta terra o primeiro
sável que matarem”).
No
que respeita às lampreias, a outra espécie de pescado mencionada no foral,
especifica-se que por cada rede de lampreia se pagará por ano duas lampreias e
cento em cinquenta reais em dinheiro (“E paga-se de cada rede de lampreas de
comdado por anno duas lampreas e em dinheiro cento e cinquoenta reaaes”).
Finalmente,
o Foral menciona que a pesca nos areinhos de Vargas pagarão também a dízima,
primeiro à igreja e depois a quinta parte ao condado e, ainda, a dízima ao rei.
A pesca em terra era a mais penalizada com
impostos, já que pagava a dízima a três entidades distintas.
GADOS
DE MONTADO
Segundo
o dicionário de História de Portugal (Coord. De Joel Serrão, Vol. 4), o MONTADO
consistiu num dos principais encargos que se desenvolveram na Idade Média,
vindo com variações diversas até aos tempos Modernos. Na sua forma mais
representativa, foi o encargo-tipo a que estavam sujeitos os donos de gado
bovino e ovino quando os seus animais aproveitavam terrenos para pastar, quer
fossem de domínio senhorial, quer dos alfozes comunais dos concelhos. Por isso
se revestiu de um carácter misto, pertencendo tanto aos membros da classe
senhorial como às camadas superiores dos concelhos, além de, em muitos outros
casos, ser partilhado entre o senhor e os municípios.
Montado
O
direito de montado, também conhecido por montático, montádego ou montádigo,
consistiu num dos foros que se aplicou em toda a Idade Média. Segundo Armando
de Castro, na sua forma mais representativa, foi o encargo-tipo a que estavam
sujeitos os donos de gado bovino e ovino quando os seus animais aproveitavam
terrenos para pastar, quer fossem de domínio senhorial, quer dos alfozes
comunais dos concelhos.
Segundo
o foral de Gondomar, os moradores da terra estavam isentos do pagamento do
encargo de montado, enquanto que aqueles que vêm de fora do concelho o pagam no
caso de fazerem montado sem licença - o montante do tributo a pagar era uma
quantia igual aos da terra que o fizessem sem licença: (“Item: os moradores da
terra nam pagaram montado ne mesma terra e todos usaram irmaammente e o
Senhorio levara o montado nos reguemgos despovoados aos de fora emtrando sem
licença ou avença e nam levaram mais coyma nem pena da que levavam aos da terra
que avemos por bem que se mais nam leve”).
PORTAGEM
A
portagem, imposto indireto que incidia sobre a compra e venda de mercadorias
era uma forma de controlo régio sobre a produtividade e a sua comercialização,
afigurando-se como um meio de ingresso no plano das receitas régias. Por tal
razão, este direito era regulamentado por disposições previstas nas Ordenações,
dando-lhe assim um caráter de direito régio.
O
foral do Porto é uma referência a este nível, uma vez que contem a
regulamentação sobre a entrada e a saída por terra, a entrada e a saída por rio
e, também, a entrada e a saída por foz.
No
que diz respeito ao foral do Porto, a portagem difere de outros casos já que
as pessoas de fora da cidade pagavam a portagem de compra e venda de
mercadorias, que aí comercializassem ; a taxa cobrada era pela razão de um por
cento ou dez por milheiro, que pela indicação do foral antigo prescrevia um
maravedi.
Passagem
O
direito de passagem, é outro título que consta dos forais
novos.
Iria Gonçalves define-o como direito de trânsito que recaía sobre as
mercadorias entradas na povoação sem se destinarem a ser aí vendidas, mas
apenas a passarem a outra localidade.
FOGAÇA
No
dicionário de História de Portugal
(Coord. De Joel Serrão, Vol. 3) e segundo Viterbo, a FOGAÇA era uma
qualidade de pão que se fabricava cozendo a farinha rapidamente numa cova
aquecida; o seu significado económico-social é muito diverso, constituindo uma
modalidade de encargos, embora não pareça, segundo o autor admite que esteja
ligada, pelo menos necessariamente, ao encargo de fogo ou fogueira: há exemplos
de se pagar este e a fogaça simultaneamente. Ao mesmo tempo, a evolução das
prestações a título de fogaça tipifica a natureza da renda feudal. Era muitas
vezes constituída por uma teiga de trigo ou centeio, às vezes um alqueire;
outras vezes a fogaça exigida ao cultivador compunha-se desse cereal já cozido.
No
século XV, e mesmo antes, o encargo de fogaça aparece em certos casos
convertido em dinheiro ou até em géneros muito diferentes de cereal, como
galinhas, linho ou vinho.
Quanto
à fogaça, o Foral de Gondomar informa-nos que as que se leva na terra de
Gondomar, e não em todos os lugares, que não pagarão outros direitos a não ser
os que já se pagavam (Item: “E as fogaças que se levavam na dita terra se nam
em certos casaaes e lugares logo decrarados que nam pagavam outros direitos
emtam os quaes agora pagam”).
GADOS
DE VENTO
Os
GADOS DE VENTO são os gados que se encontravam abandonados, sem dono ou pastor
e que andavam “vagando de uma parte para a outra ou mudando-se como o mesmo
vento se muda”.
No
que se refere ao gado de vento, o Foral de Gondomar apenas nos diz que as
disposições são iguais às de Braga (“Item: e o gado do vento sera do Senhorio
dos outros direitos com decrarança que a pessoa a cujo poder e etc. o mais
deste capitollo he tal como Braga”).
DIREITO
DE TABELIÃES
“O
direito de tabeliado” ou de tabeliães consiste no imposto que os ditos oficiais
tinham que pagar anualmente ao rei pelo desempenho das suas funções na vida
pública (lavravam e registavam nos chamados livros de contas, escrituras e
outros documentos jurídicos, reconheciam assinaturas e sinais).
Havia
vários tabeliães:
-
O tabelião de notas tinham a função de lavrar escrituras e autenticar
documentos.
-
o tabelião judicial exercia as suas funções junto do juiz, como lavrar autos e
sentenças.
-
existiam ainda os tabeliães do geral, ou seja, os que estavam autorizados pelo
rei a exercer o seu ofício em todo o reino ou nas terras sujeitas ao mesmo
senhorio.
Segundo
o foral de Gondomar, a pensão dos tabeliães e a pena de arma revertem a favor
da cidade e não do rei, como acontecia normalmente.
(“Item.
e a pensam dos tabaliaaes he da cidade e assy (sic) a pena d arma”).
MANINHOS
MANINHOS
designam os terrenos incultos, os que não eram cultivados, podendo ser de
propriedade pública ou particular.
Os
maninhos, enquanto logradouros públicos, podiam ser bens da Coroa ou do
Concelho. Existiam, ainda os de
propriedade particular, cedidos temporariamente aos moradores de um lugar,
mediante disposições consignadas no foral ou pelo processo de arrendamento.
Estes suscitaram problemas já que eram
objeto de cobiça por parte dos senhores e ordens religiosos que se apoderavam
abusivamente dessas terras, criando situações conflituosas com as comunidades.
Por
se tratar de uma matéria muito sensível, D. Manuel I procurou criar disposições
gerais, a fim de regulamentar a utilização das terras maninhas no sentido de
promover o seu aproveitamento e de evitar a sua apropriação ilegítima.
O
Foral de Gondomar afirma que os casais e terras que já pagam tributos pelo uso
dos maninhos, tanto em suas saídas como nos seus logramentos, não pagarão mais.
E quando tiverem de pagar mais, o foral estipula que todos os vizinhos do
maninho em causa sejam notificados desse aumento.
Caso
o aumento do tributo seja muito elevado, os afetados têm o direito de apelar
para o juiz dos feitos, já que esse acréscimo deve ser sempre reduzido (“Item:
os maninhos se nam daram nos casaaes e terras que a nos já pagam por ellas
tributo nem menos em suas saydas e logramentos nem dos outros casaaes que nam
sam foreiros a Coroa Real. E quando se ouverem de dar seja primeiro noteficado
a todollos vezinhos e comarcaaos do tal manynho se tem rezam pêra se nam dever
de dar e temdo-a nam se daram e poderam as partes apellar e agravar neste caso
pêra o juiz dos nossos feitos posto que a cantidade seja tam pequena de que se
nom devesse della d agravar nem apellar”).
DISPOSIÇÕES
DE DIREITO PENAL
PENA
DE FORAL
Penas
a aplicar a todos os que violassem as disposições consignadas no foral.
Assim,
todo aquele que cobrasse mais direitos do que os estabelecidos na carta de
foral era degradado por um ano para fora da vila e seu termo e incorria numa
pena pecuniária de trinta reais por cada um dos direitos arrecadados, a qual
reverteria a favor do espoliado.
No
caso, de este não aceitar o dinheiro da coima, metade dessa soma ia para o
acusado a outra parte para perdão dos cativos. As sentenças podiam ser
preferidas por juízes, vintaneiros ou quadrilheiros, logo que detivessem a
verdade dos factos e o processo de condenação, despachado por estes oficiais,
não tinha apelo nem agravo, podendo a pena pecuniária ir até à quantia de dois
mil reais.
O
senhorio dos direitos reais que não procedesse conforme o disposto no foral,
seria suspenso dos direitos e da jurisdição que detinha sobre o lugar e
inerentes ao exercício do seu poder. Quanto aos oficiais régios que tivessem
desrespeitado as determinações do foral, em nome desse senhorio, incorriam em
graves penas como a perda do ofício e a impossibilidade de ocupar outro lugar.
Através
da aplicação destas penas o soberano procurava, por um lado, dar força de lei
ao documento por ele emanado e, por outro, garantir a defesa dos seus
interesses, bem como proteger os direitos e deveres dos seus moradores face aos
abusos e arbítrios quer dos oficiais encarregados da cobrança dos impostos,
quer dos senhorios.
No
que se refere à pena de foral, o Foral de Gondomar apenas nos diz que é igual
ao de Ponte de Lima (“Item: o capitollo da pena do foral he tal em tudo igual ao de Ponte
de Lima”).
CONCLUSÃO
Esta
reforma já tentada por D. Afonso V e D. João II, de forma a responder ao
desfasamento dos forais face às novas realidades sociais e económicas do Reino,
coube a D. Manuel levá-la a cabo, fazendo substituir as velhas cartas por novos
diplomas. Depois de um longo processo, a reforma dos forais deu-se por
concluída em 1520, desempenhando Fernão de Pina um papel muito importante na
sua prossecução.
O
objetivo de garantir uma maior
centralização e fortalecimento do poder real parece ter sido alcançado.
Esta reforma faz parte de um amplo projeto reformista que visou não só a
modernização e reorganização do reino, mas sobretudo a centralização do poder
real.
Os
Forais Novos ou Manuelinos foram o expoente da centralização régia, na medida em
que acentuaram o poder do rei sobre as instituições municipais, em oposição às
leis particulares dos concelhos, características da Idade Média.
ECONOMIA
Com
base nas indicações fornecidas pelo foral podemos avaliar o papel económico que
a pecuária desempenhou no contexto local que cobria, sem dúvida, uma quota do
volume das trocas comerciais. Por exemplo, quanto ao direito de montado, ou
seja, o encargo-tipo a que estavam sujeitos os donos de gado bovino e ovino
quando os seus animais aproveitavam terrenos para pastar. Segundo o foral de
Gondomar, os moradores da terra não pagavam este tributo, enquanto os que
vinham de fora do concelho o pagavam se fizessem o montado sem licença.
Gondomar,
nesta altura, estava integrada no burgo do Porto, mas mesmo assim gozava de
certa independência face a este.
A
pecuária teve um papel importante em Gondomar. O Foral menciona o direito de
montado, ou seja, o encargo-tipo que os donos do gado bovino e ovino teriam de
pagar quando os seus animais aproveitavam terrenos para pastar.
Quanto
à atividade agrícola, o foral não nos fornece uma lista exaustiva das
mercadorias comercializadas, indica-nos,
apenas, o lugar, celeiro do senhorio de Gondomar, onde se desenrolavam os
pagamentos tributários.
O
foral indicia a existência entre esta terra e suas vizinhas de trocas
comerciais que envolviam animais, desempenhando, para além disso, um papel
importante na dieta alimentar da população.
O
Foral reserva um lugar de relevo ao direito de condado imposto sobre a pesca do
sável e da lampreia no rio Douro, estipulando claramente as autoridades
beneficiárias deste tributo. Este facto demonstra que estas espécies piscícolas
eram bastantes abundantes.
Por
fim concluímos que os beneficiários dos tributos eram o rei, a igreja, os senhorios
laicos ou eclesiásticos a quem o rei outrora fizera doação. A população apenas
era beneficiada no caso de foros já em desuso que, desta forma, passa a sua
extinção a ter força de lei.