domingo, 22 de março de 2015

FORAIS NOVOS - problemas; soluções

Forais Novos
- Problemas;
- Soluções;
- O que lucraram os gondomarenses com o Foral Manuelino

São múltiplos e complexos os problemas com que se debate o poder local, em meados do século XV.
Um dos grandes problemas consiste na falta de uniformidade no que respeita à legislação em vigor, apesar dos esforços de D. Duarte, do regente D. Pedro para que se procedesse à compilação e sistematização de forma a haver um maior conhecimento das leis pelas diversas partes interessadas. Compilam-se as Leis e Posturas e redigem-se as Ordenações de D. Duarte e mais tarde as Ordenações Afonsinas. De acordo com estas últimas, os corregedores deveriam zelar para que o escrivão da comarca lançasse em livro para conhecimento de todos os vereadores e juízes a quem competia aplicá-las e cumpri-las.
Já no reinado de D. João I, os procurados do Porto apresentaram queixa nas Cortes de Santarém de 1430 contra os excessivos direitos que os donatários do termo da cidade tentavam cobrar e sobre a forma como aplicavam a justiça.
Nas cortes de Lisboa, de 1455, as reclamações incidiram na necessidade de regulamentar os pesos e medidas tradicionais
Nas Cortes de Coimbra e Évora de 1472 e 1473, no reinado de D. Afonso V, os concelhos queixam-se, mais uma vez contra as arbitrariedades dos senhores, nomeadamente porque os forais em uso estavam rotos, falsificados entrelinhados ou redigidos de forma que não se entendiam, pelo que suplicavam ao Rei que os reformasse a fim de extirpar as burlas e enganos neles falaciosamente introduzidos.
O monarca decide, mesmo, que o Juiz dos seus Feitos examinasse todos os forais. No entanto, a turbulência reinante no tempo deste monarca teria impedido que esta reforma fosse levada a bom termo.
No reinado de D. João II, nas cortes de Évora de 1490, os procuradores dos concelhos voltam a queixar-se das arbitrariedades dos senhores, o que levava ao despovoamento do reino. D. João II determinou, então, através de carta régia, que todos os interessados fizessem chegar à Corte os seus Forais, para serem examinados e conformados. Como o prazo era longo, cerca de dois anos, e a revisão dos forais implicava outras reformas, ainda, não foi, nesta altura, que se procedeu à reforma dos Forais.

Esta só se efetivou no tempo de D. Manuel I. Em Montemor- o - Novo, em 1495, os povos queixaram-se que os forais levavam a “grandes opressões e suscitavam discórdias entre eles e os oficiais régios.” Além disso, estavam escritos em latim e outros “em desacostumada linguagem”.
O rei D. Manuel I, por Carta Régia ordenou, então, em 1497, que todos os forais fossem reexaminados, de tal forma,” que se possam bem entender e compor”.
Para tornar mais fácil a tarefa, D. Manuel I nomeou uma comissão de 22 desembargadores, a fim de redigir um conjunto de princípios gerais que servissem de base a todos os forais. Como foram aprovados pelo rei, quando se encontrava em Saragoça a tratar de questões da sucessão ao trono, ficaram conhecidos por ” Pareceres de Saragoça”. Ao contrário dos outros reis, que tinham nomeado uma individualidade, encarregou uma comissão de peritos.
Nomeia, também, Fernão de Pina, Rui Boto e João Façanha como oficiais dos Forais. Os forais novos seriam escritos em Português da altura, Leitura Nova, suficientemente esclarecedora para evitar más interpretações. As terras que não tinham Foral passariam a tê-lo. Na verdade, declara, D. Manuel I:
“Fazemos saber que vendo nós como o ofício do Rei não é outra coisa senão reger bem e governar seus súbditos em justiça e igualdade, a qual não é somente dar a cada um o que seu for mas, ainda, não deixar adquirir nem levar, nem tomar a ninguém senão o que a cada um direitamente pertence” […]. Preâmbulo do Foral de Castro Marim
Fernão de Pina foi incumbido de proceder a inquirições para obter um conhecimento geral das realidades locais para um apuramento da verdade, de forma a sanar as confusões, existentes entre os representantes dos concelhos e os privilegiados.
O auto respetivo era enviado à comissão encarregada da reforma para, depois de analisados e resolvidas as eventuais dúvidas e litígios subsistentes, se passar à redação das novas cartas, através de um grupo de calígrafos para tal nomeados. Com base no material recolhido, Fernão de Pina preparava os processos que iam depois a despacho com dois juristas: o chanceler-mor e Fernão de Pina anotava os próprios textos vindos dos concelho, num primeiro trabalho de recolha de elementos, com vista à elaboração do novo diploma, e por vezes assentava o nome do calígrafo responsável pelo texto final. De cada um, era feito um exemplar para a Câmara respetiva e outro para o senhor, no caso de se tratar de terra de donatário, ficando uma cópia registada na Torre do Tombo.
A reforma dos forais deu-se por concluída em 1520, desempenhando Fernão de Pina um papel muito importante na sua prossecução.

Estes forais trouxeram, não só, a uniformização das leis como uma certa estabilidade na vida das populações.
No nosso tempo, elas são consideradas como fontes de direito, como fontes informadoras de produtos e matérias-primas utilizadas, da transformação e comércio desses produtos, como fontes de informação de quem exercia as leis e as aplicava, de esforço inaudito dos produtores populares e dos comerciantes, empenhados em levar de terra em terra os produtos do Reino e de fora dele.
O estabelecimento das normas contidas no Foral permitia à administração e ao rei conhecer os seus direitos e corrigir alguns privilégios.
O rei passava a ter uma noção muito aproximada dos rendimentos devidos à coroa e aos cofres do Estado, digamos que o Estado moderno, com a sua tendência marcadamente centralizadora, retira, desta forma, aos concelhos, uma grande parte da autonomia local.
 Os forais perderam a característica de «estatutos» da vida concelhia para serem apenas «registos» dos encargos e isenções locais pelo que a reforma manuelina não conduziu ao imediato despertar das energias regionais, como era desejo de muitas povoações.
No entanto, as reformas manuelinas não se restringiram aos forais. D. Manuel legisla:
•  a Ordenação e Regimento dos Pesos (1502)
• o Regimento dos Oficiais das Cidades, Vilas e Lugares destes Reinos (1504)
• os Artigos das Sisas (1512)
• o Regimento dos Contadores das Comarcas (1514)
• o Regimento das Ordenações da Fazenda (1516)
• as Ordenações da Índia (1520).
• as Ordenações Manuelinas, leis gerais do reino  (1521) que divulgou com a ajuda da imprensa.

Nem sempre as questões associadas à arrecadação dos direitos ficaram inteiramente esclarecidas com a outorga do foral novo, vindo a ser resolvidas, durante o século XVI. Foi o que aconteceu com os forais das vilas do Couto do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça.
Outros houve, que foram outorgados posteriormente à reforma dos forais novos, como é o caso do foral novíssimo de Tavira.
Com o advento do liberalismo foram promulgadas várias leis tendentes à supressão dos forais, até por fim serem abolidos pelo Decreto de 13 de Agosto de 1832, confirmado pela Carta de Lei de 22 de Junho de 1846.
“O poder da nobreza assentava nas doações régias dos bens da Coroa. Com o advento dos ideais liberais essa prática é posta em causa pois não só impedia a burguesia de aceder à posse da terra como se constituía num entrave ao desenvolvimento da agricultura. Por outro lado, as cartas de foral, ao regulamentarem as relações económicas e administrativas das populações com os senhorios, permitiram que estes se apropriassem dos tributos nelas consignados, privando o Estado de uma importante fonte de rendimento e limitando inclusivamente a sua autoridade.
[…] “A gente privilegiada vivia do suor alheio, estimava que os reis dispozessem dos bens do
Povo, porque de facto dispunham desses bens a favor deles; perante aquella gente imoral o amor do Altar, e do Throno quer dizer amor de si; e quando virão na Carta [Carta Constitucional de 1826] que Mercês rendosas não podião ser feitas sem aprovação das Camaras, virão secar a fonte de suas esperanças futuras […]. He então necessário aproveitar os conhecimentos da Europa civilizada, e arrancar das mãos dos inimigos o fructo dos trabalhos dos Povos […].  he fácil entender que a natureza dos Bens da Coroa era o sacrifício de todo o bem possível a certo número de famílias, e que sem destruir a Povoação do Reino, e a subsistência das Classes medias, não podia continuar a existência de huma natureza de Bens, nos quaes o gozo consistia na destruição: a baixeza dava a quem tinha Bens da Coroa certa esperança de os perpetuar, mas a conveniência lhes dictava toda a negação de os melhorar. […] fundado sobre tudo no quadro de horror, que oferece hum Cidadão laborioso, quando cheio de fadigas de hum anno inteiro vê levantar sua colheita a mil agentes da avidez do Clero, e dos Donatarios, e fica reduzido ao miserável resto, que a avidez deixa á mendicidade laboriosa, para fazer á porta dos Claustros, e das cocheiras alardo daquelas esmolas, com que se alimentão nas Cidades os filhos mendicantes daqueles mesmos trabalhadores, que sem Foraes, e Dizimos farão deles Cidadãos industriosos. E de bons costumes; […] proponho a V.M. I. hum Decreto de huma transcendência superior, em quanto ás terras dos Foraes , ao de trinta de Julho deste anno, que extinguio os Dízimos.
Com o Decreto, que proponho, a V. M. I. tem de obter na Historia hum lugar distincto; e a geração presente, e as vindouras bem-dirão o Principe, que todos os dias augmenta o bem-estar dos Povos. Porto, treze de Agosto de mil oitocentos trinta e dous.
 O Ministro e Secretario d’Estado dos Negócios da Fazenda José Xavier Mouzinho da Silveira
[Excertos do relatório que antecede o Decreto da extinção dos forais e dos bens da coroa]
O Decreto de Mouzinho da Silveira de 1832 ao decretar a extinção dos forais e dos bens da Coroa veio ditar o fim da sociedade senhorial. Os forais novos produzidos pela reforma empreendida por D. Manuel não prevaleceriam pêra sempre, conforme preconizara.”

Decreto de extinção dos forais e dos bens da coroa. 1832 Collecção de decretos e regulamentos mandados publicar por sua Majestade Imperial o Regente do Reino desde que assumiu a regência até à sua entrada em Lisboa. Lisboa. 1833. Imprensa Nacional. Impresso, 330 x 430 mm, papel ANTT, Colecção de Decretos, segunda série, n.º 2278.

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